quarta-feira, 5 de março de 2008







































De:







À terra deitou sementes . Água e adubo a fizeram crescer. Roxa, no verde da esperança a anémona falou através de um papel enviado cujo fim era o seu envio. A missão começava. O desconhecido … a barreira a ultrapassar. Deixou tudo pela missão de abrir olhos e mentes. Nos carris, quais campos rasgados pelo arado, o comboio gemia acompanhando o seu misto de tristeza / alegria. A serra ficava para trás até não sabia quando. O sol já pouco estival coava-se, ora incomodando ora sendo desejado. Sempre que isso acontecia, corria-se ou não a cortina que de sonhos e ilusões também era. A viagem era grande. Dava para tudo. Até para novos conhecimentos que se quisessem fazer. Era Setembro no fim. No fim de um princípio que se optou, mas rico de ignorâncias e inconsciências. Hora atrás de hora ia-se visualizando um destino indefinido que a pouco e pouco foi chegando. Com pouco mais de uma pequena malita, franzina ela, começaria a partir a pedra mais difícil da vida. Apeou e parou olhando em redor. Planícies a perder de vista, arrozais e o Tejo numa enorme largura com barcos nele. Casas baixas e pequenas, laranjais e fábricas. Onde seria o seu local de trabalho? Não se divisava. Mesmo olhando planície em redor. O edifício mais que conhecido não era visível. Pegando na tal anémona verde de esperança, certificou-se do nome da povoação. Estava certo, era ali. O silêncio gerado após a partida do comboio levou-a obrigatoriamente a ter que começar. Mas por onde? As dúvidas surgiam em catadupa e quase antes de aparecer a noção de uma, vêem muitas. Mas teria que se decidir e entrar em comunicação com alguém. De repente…
- Olhe, por favor, onde é a Escola?
- Ah! A Srª é a nova Professora? Está cá a fazer muita falta! Seja benvinda! Olhe, não temos edifício porque as últimas grandes cheias no lo levaram. Mas aquela fábrica de medicamentos cedeu uma sala grande que vai servindo enquanto outra não há. A Srª vá até lá.
Ofereceu-se para guardar a sua pequena malita, ensinou-lhe o caminho e ela foi, como ele lhe havia dito, até lá. Pelo caminho sentiu-se imensamente observada, ninguém a conhecia. Chegou à fábrica de medicamentos onde se situava a tal sala. Um guarda barra-lhe o caminho pedindo-lhe a identificação. Chama a Srª Profª em serviço. Crianças vêm às janelas e à porta. Apresentaram-se e pela 1ª vez entrou, acompanhada, no seu local de trabalho. Foram-lhe dadas a saber algumas informações importantes, assinou um Ofício de entrada em exercício e foi-se apresentar com esse papel, aos seus superiores hierárquicos. Após tal, a burocracia estava feita. Já lhe tinha sido destinada turma e horário, já conhecia as colegas de trabalho, já conhecia alguns superiores hierárquicos e até já era seu conhecido um segurança ou porteiro da fábrica. Começaria amanhã às tantas. Após tudo isto eram 18h e começava a escurecer. Foi buscar a malita e perguntar onde poderia pernoitar. Que aqui, não. Só se fosse… nem sei … Depois de muitos ses… lá a conseguiram enviar para casa da D. Felicidade em frente à Estação.
Senhora de 80s, muito reservada, lá lhe foi dizendo que, “… era só por uma noite…” e “…por ela ser senhora…”. Por uma noite lá se serviu de um quarto imensamente húmido e com visitas. Veio a saber mais tarde, que esse quarto teria tido água de cheia até ao tecto e por isso também, de vez em quando, a visita de uma baratita. Paciência! Era uma noite… Não havia outra solução… depressa se passaria. Durante o tempo que esteve na cama, pouco conseguiu conciliar o sono, primeiro com receio que alguma daquelas visitas de que já se falou, a viesse visitar à cama, segundo pelo ribombar de autênticos e enormes trovões que tudo estremeciam.
- Que seria aquilo? – pensava – O céu estava limpo, nada faria pensar em trovoada! Amanhã saberia.
E o amanhã chegou enevoado de humidade e de expectativa. Depois de um banho, arrumou as coisas, e foi procurar pequeno almoço. No dia anterior andara a meia barriga… e puxou conversa, pois estava sem sítio para ficar. Após a refeição, foram mostrar-lhe alguns aposentos, mas, entretanto, a D. Felicidade resolvera, não sei porquê, alugar-lhe o tal quarto das visitas. Por algum tempo, tinha saltado outra barreira e vencido mais uma dificuldade. Considerando cada conquista uma pétala de anémona, a corola estava quase completa. A corola … faltava tudo o resto.
Depois de arrumar o quarto e de pagar adiantado a verba mensal que iria incluir serventia de cozinha e WC, achou por bem começar a encher o armário que serviria de despensa, para que à noite já pudesse fazer jantar. E à tarde foi conhecer o seu material de trabalho.
Humano como devem calcular. Mas muito pequeno ainda, muito necessitado até de algum carinho, enfim. Tomou, então, contacto com os primeiros problemas sociais. Alguma (muita) falta de higiene, deficiente alimentação, proveniências alcoólicas e tabágicas, falta de habitação condigna ( vivência em pequenas embarcações ancoradas no rio) e muita pediculose. Estes alguns dos estames da anémona cheinhos de pólen, a rodearem o seu olho de vida e a pedirem socorro a um mundo que teimava em não os conhecer . Estendeu os braços de tal maneira que conseguiu abraçar 42 corpos famintos de luz e de colorido da vida. A sua aceitação foi bálsamo caído no sofrimento da necessidade mútua. Esse dia tivemos que nos conhecer. Primeiro pelos nomes e depois a pouco e pouco, pelos sentidos e afectos. A conversa era muito atendida, já que tudo quanto se lhes pedia era feito, com maior ou menor vontade, mas era.
Um dia convenceu uma aluna da necessidade de se lavar e mudar de roupa. E foi-se lavar ao rio. Pois era a sua banheira, também vestiu roupa lavada, mas esta estava dentro do barco pequeno onde cozinhavam a petróleo, onde guardavam alguma fataça pescada e outros alimentos, onde dormiam todos juntos num pedaço de chão menos cheio e o objectivo gorou-se. Veio lavada, mas não bem cheirosa. Cheia de alegria veio-lhe contar que tinha cumprido com o prometido e pediu a recompensa – um beijo.
Entretanto iam – se abrindo aquelas mentes, umas com mais dificuldades que outras. Foi fazendo grupinhos, foi estabelecendo relações diferentes para melhor, do que as que se pressentiam em algumas famílias, foi ganhando aquele pólen estaminal que um dia a abelha iria levar para mais além..
Assim decorria o ano de … já nem se lembrava, mas decorria.
Um dia convidaram-na para uma festa . Achou que não devia recusar e lá foi. Primeiro a festa religiosa. Depois o almoço. Já não se lembrava da ementa, mas lembrava-se, isso sim, de ter visto na salada do seu prato uma lagartinha passeando. Que fazer ? Matá-la, não podia … e decidiu tapá-la com uma folhita da mesma alface. Mas, à lagartita não lhe apetecia estar tapada nem quieta, e a ela não lhe apetecia comer mais. Então lembrou-se de guardar a lagartita até lhe tirarem o prato.
- Não gostou ? – perguntaram – Que sim mas estava satisfeita.
O sol brilhava aquecendo tão bela Primavera. Cada vez mais cintilavam as laranjas nos seus castelos verdes negro. Flores abriam corolas de beleza. Os jardins davam um ar da sua graça.
Um dia, há sempre um dia … ao chegar ao trabalho, viu aparecer na sua frente um braço carregado de amor com um junquilho.
- É para si!
O sorriso primaveril dessa flor iluminou o mundo em redor. No seu obrigada, no seu agradecimento, houve rostos ferventes daquele afecto que, às vezes, nos esquecemos de transmitir .

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