sábado, 5 de julho de 2008

Beira mar


Oeste Litoral


Caminhando num qualquer destino incerto de uma pista negra de alcatrão, curvo e descurvo o volante sem sequer divisar quem ou o quê. De repente apeteceu-me curvar à direita e seguir em frente em direcção ao mar. Uma aldeia de casas baixas, rostos inquisidores, velhos ... que não se sentam ao sopé da porta, nem vivem de chave por fora ... e um prédio. Separado do resto por magros 200 metros, dentro de muros, há um mundo à parte dessa gente, um mundo urbano dentro do rural, um grupo incógnito a invadir privacidades e intimidades saloias.

Tudo faria depreender a chegada ao Paraíso. A Serra de Sintra e o Palácio da Pena, as Torres do Convento de Mafra e a reserva da fauna que se vislumbra daquele imóvel, dava a perceber que Deus vivia ali.

A paz era maior que muita, mas ninguém se conhecia. A comunicação humana, inexistente, era substituída pela do vento, do mar, raivoso às vezes, e da chuva.

Pelas arribas procura-se a maresia, a libertação, a ânsia de infinito, o aliviar stress e o purificar físico tão enevoado por poluições existentes em tudo.

Páro num degrau do farol. Como o piso é muito irregular, cansei e tento agora refazer forças. Daqui olha-se o minúsculo cais, tão pequeno e tão sombrio, mas tão visitado. Reparo nas pequenas embarcações que dali partem, nos mais pequenos ainda, habitantes deles, nos arrastos, nas artes, em tudo o que necessitam para partir mar fora.

E vou seguindo, contornando, em direcção ao mar. O meu trajecto é agora através de um "carril" por entre casuarinas, tojos, piteiras e ervas, umas floridas, outras não, com insectos voltejando ou fugindo mas sempre procurando aquele algo de que necessitam. Este é o meu redor. Agora é um cãozito que, quem sabe, me viu pôr um pé na propriedade do dono. Não lhe demonstro medo. Chamo-o, apresento-lhe uma bolacha, acaricio-o e logo tenho um amigo. A sua cauda não pára de contentamento e a expressão do seu focinho quase parece falar. Como continuo a caminhar, acompanha-me um pouco, para logo me abandonar.

- Boa tarde! - dizem-me.

- Boa tarde! - respondo.

E o mar vai puxando seu reposteiro de névoa, que, antes aberto, me deixava sonhar com o interior daqueles porta contentores flutuando na linha do horizonte. Já pouco os vou vendo. O mar vai acabar por puxá-lo completamente. Obrigatoriamente evito a curiosidade que tanto me leva ao sonho.

Feliz, ouço pássaros, gaivotas, seres frágeis pela pequenez, enormes pela sensibilidade, que nos acordam. Alguma vez seria eu capaz de matar uma perdiz?

Se, no prédio, a comunicação é inexistente, se ninguém se revê no outro, como não hei-de abraçar e conviver com os animais que encontro e com quem converso!


Rodei o volante e regressei a casa.

Sentada no sofá, procurei sentir, ainda mais, aquela suave tarde onde o sol foi ouro, o mar esmeralda, os insectos beleza e o cão amor.E fiquei feliz.

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2 Comentários:

Blogger José Justo disse...

Lindo...lindo este texto, tão simples mas expressivo.
Sempre são os animais quem mais carinho e afeição nos proporcionam.
Para eles o "dia do favor nunca será a véspera da ingratidão"
Tenho seguido seus escritos com atenção e admiração.
Considero verdadeira prosa de eleição e com muito bom gosto.
Um bom dia para si.

9 de julho de 2008 às 13:41  
Blogger biabisa disse...

Olá Zé! seja muito bem aparecido! sabe que já o tenho procurado? Talvez alguma ignorância informática faça com que o não encontre. Mas, meu amigo, fiquei muito feliz em o rever. Volte sempre. Nem sempre consigo deitar cá para fora o que sinto - que sinto muito, acredite, fazê-lo chegar aos outros, às vezes, olhe, tenho dias. Mandei dizer ao Pica Sinos que, uma vez que gostam desta zona, combinem com o Guedes e apareçam com família e tudo. Há-de ser uma festança. Força! cá os esperamos para um almoço e um passeiozito pela zona oestina destes pobres saloios. 1 Beijão do tamanho do mundo. Luísa

20 de julho de 2008 às 14:50  

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